Ambipar perde R$ 20 bilhões em valor de mercado e revela os perigos ocultos nos investimentos estruturados
Colapso da gigante ambiental levanta questionamentos sobre governança corporativa, instrumentos financeiros de alto risco e a fragilidade das estratégias de crescimento acelerado.

Em poucos dias, a Ambipar — uma das mais promissoras empresas brasileiras listadas em bolsa — sofreu um colapso sem precedentes: perdeu 93% de seu valor de mercado, o equivalente a mais de R$ 20 bilhões. O episódio, que ganhou força a partir de 25 de setembro, expôs falhas estruturais na gestão financeira da companhia e acendeu alertas sobre produtos de investimento que prometeram segurança, mas esconderam riscos substanciais.
O começo do fim: cross default e pré-recuperação judicial
O gatilho da crise foi uma nota divulgada pela própria Ambipar informando sua entrada em tutela cautelar — um mecanismo legal que antecede o pedido de recuperação judicial. A situação ativou uma cláusula de suas dívidas chamada “cross default”, que antecipa o vencimento de todos os compromissos financeiros em caso de inadimplência de apenas um contrato.
Esse efeito dominó colocou em xeque a capacidade da companhia de honrar suas obrigações e gerou um pânico generalizado entre acionistas e credores.
Aquisições em série e falta de liquidez
Desde seu IPO, em 2020, a Ambipar adotou uma estratégia agressiva de crescimento por meio de fusões e aquisições (M&A). Foram mais de 70 compras em pouco tempo, muitas delas pagas a preços elevados. Essa política expansionista, no entanto, não foi acompanhada por uma estrutura de capital adequada.
Segundo o portal internacional The Real Times, embora a empresa reportasse ativos relevantes, sua liquidez imediata era extremamente limitada — cerca de R$ 80 milhões, frente a uma dívida de aproximadamente R$ 6 bilhões. Essa desproporção levou à rápida deterioração de sua credibilidade financeira.
CFO demitido e contratos controversos
A crise também envolveu a súbita demissão do diretor financeiro (CFO) da empresa, pouco antes da situação vir a público. Fontes próximas relataram que o executivo teria negociado diretamente com o Deutsche Bank um aditivo contratual que agravou o desequilíbrio contábil da Ambipar, desorganizando os fluxos financeiros e ampliando o risco de colapso.
Produtos financeiros: COEs, bond repacks e confusão entre investidores
Em meio ao colapso, cresceu o debate sobre os Certificados de Operações Estruturadas (COEs) e, especialmente, os chamados “bond repacks” vinculados à Ambipar. Embora o Grupo Primo tenha negado a distribuição de COEs da empresa, muitos investidores relataram perdas substanciais por meio desses instrumentos.
Ao contrário dos COEs com capital protegido — que garantem ao menos a devolução do valor inicial aplicado —, os bond repacks expõem o investidor diretamente ao risco de crédito da empresa emissora. Com a queda vertiginosa das ações da Ambipar, os papéis dispararam um gatilho de perda previsto em contrato: caso o título caísse mais de 50% do valor de face, ele seria liquidado automaticamente, com devolução apenas do valor remanescente. Resultado: investidores receberam de volta apenas 6,88% do valor aplicado.
O erro na alocação e o papel dos consultores
Especialistas apontam que, embora investir em dívida de empresas não seja, por si só, um erro, o problema está na alocação desproporcional. Títulos da Ambipar prometiam retorno de CDI + 2,9% — uma taxa atraente, mas que, combinada a uma exposição excessiva e à falta de diversificação, aumentou o impacto negativo.
Há indícios de que consultores financeiros, motivados por altas comissões, incentivaram clientes a investir quantias significativas nesses ativos, sem deixar margem de proteção para eventos adversos.
Um alerta para o mercado
A derrocada da Ambipar é mais do que uma crise empresarial. É uma lição sobre os riscos de estratégias de crescimento desenfreadas, contratos financeiros complexos e alocação irresponsável de recursos. Investidores e profissionais do mercado precisam redobrar a atenção para a saúde financeira das empresas e para os termos dos produtos oferecidos.
Transparência, governança e educação financeira serão cada vez mais essenciais para evitar novos episódios de destruição bilionária de valor.
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